sexta-feira, 22 de abril de 2011

SEMANA SANTA!



Ôba,feriadão!
Ilha,  viagens, passeios,reunião de família,votos de boa Páscoa.Principalmente, feriado.Folga do chefe, dos problemas, das contas a pagar, da rotina...
Engarrafamento nas estradas, filas quilométricas para apanhar a balsa e atravessar para as ilhas paradisíacas, ora, tiramos de letra.
Tudo vale a pena se a alma não é pequena,já dizia o poeta, aquele que vale por dez, graças aos seus inúmeros heterônimos.
Para os que cá  ficam, como dizia minha vó, restam os shoppings com seus cinemas e fast- foods.
Rezar, poucos rezam, freqüentar igrejas coisa para poucos que ainda persistem na fé de seus ancestrais.
Mas, os bares e restaurantes ficam cheios, pois, se no carnaval reina soberano o pecado da luxúria, na Semana Santa prevalece o da gula, tão ao gosto dos religiosos.
Lembra-se como se falava antigamente:
-Como se come bem nos conventos!
A Paixão de Cristo na casa da minha avó era celebrada (celebrada?) com mesa farta, muito vinho, muita comida baiana e as sobremesas subversivas que derrubavam qualquer regime.
Havia também os ovos de Páscoa, chocolates recheados com trufas, doces de leite, cremes deliciosos, quem ia se lembrar do Crucificado, coitadinho, lutando para tirar os pecados dos homens há  dois mil anos  e sem nenhum sucesso. Temo que qualquer dia desses, desista.
A gente chega na Igreja e se depara com uma cruz vazia.O crucificado, foi-se!
Meu marido e eu vamos almoçar fora ou fazemos em casa um bacalhau à portuguesa de dar água na boca.
A melhor posta, quase três dedos ou mais de espessura, branco, tratado, quase sem sal.
Fervido rapidamente para não desmanchar,  escorrido e, ainda quente, recoberto do melhor e mais puro azeite encontrado no mercado.Ah,aquela cor dourada,aquele cheiro! Inesquecível.
As batatas já cozidas e descascadas esperam numa bandeja grande, juntamente com os brócolis,couve flor e cenoura, previamente cozidos no vapor.Ovos cozidos não podem faltar.
Arruma-se o bacalhau na bandeja, enfeita-se com uma flor de tomate, tiras bem finas de pimentão verde,amarelo, vermelho, cor, muita cor, as azeitonas verdes e negras,as cebolas aferventadas,o ramo de coentro para dar o toque, e o vinho, tinto, cor de sangue, quente, delicioso, encorpado.
Simples assim...
Mas, não na casa da minha avó.
Impossível pensar num prato só.Era uma orgia de coisas, um derramamento de pratos diversos de todas as cores e sabores.Peixada olorosa, vatapá dourado, caruru ,efó, frigideira de camarão, abará, acarajé, pirão,  moqueca de marisco,feijão fradinho,bolinhos de bacalhau,empadinhas para degustar enquanto se esperava o banquete, posto numa mesa enorme coberta com uma toalha branca de crivo e rosas no vaso de cristal.
Saía a prataria e os pratos de “ver deus”, as crianças avisadas para ter modos e não  sujar a toalha ou derramar comida no colo.
Minha  avó , sentada á cabeceira, puxava a oração de agradecimento.Aproveitava para pedir perdão pelos agravos.Eu não me lembrava de nenhum , a não ser me proibir a praia desacompanhada de um adulto ou me negar o leite condensado no café quando eu aprontava todas.
Terminadas as orações caía-se de boca nas comidas. O vinho circulava soberano, mas,havia refrigerantes para as crianças,inclusive o falecido Crush e o guaraná Fratelli Vita.
Depois, vinham as sobremesas.
Para mim um milagre do Crucificado que ainda existisse lugar naquelas barrigas depois desta comilança indecente.
Mas, vieram os papos de anjo, os pudins, as cocadas, as compotas,o bolo recheado de geléia de ameixa e coberto de chocolate.
A receita de glacê da minha mãe!
Até hoje a primeira coisa que me faz retornar à infância.  Meus filhos ainda saborearam e meus netos também,  pois, continuo fazendo; tão simples e fácil até para mim que não sou nenhuma  brastemp , na cozinha.
Apenas três  colheres de chocolate –eu prefiro o Nescau – quatro colheres de açúcar, uma colher de manteiga . Mistura-se tudo e leva-se ao fogo baixo.
Ao  levantar fervura espera-se um minuto cronometrado , tira-se do fogo e bate-se  bastante com uma colher de pau.
Em seguida, joga-se sobre o bolo.
Chama-se glacê de minuto e é deliciosa.
Minha avó respeitava demais a Semana Santa. Desde a quinta feira não se ouvia música popular, não se podia dizer palavrão, brincar de cóboi, pois, irmãos e primos que brigassem certamente virariam lobisomem,e os casais não podiam se amar.
Até  as prostitutas” fechavam o balaio”, como depois vim a saber.
O mundo mergulhava numa tristeza pesada, lúgubre, insana.
Nas igrejas, as imagens cobertas de roxo, exposto o Senhor  Morto,que enchia de  pavor as crianças.
Não só o Senhor tinha morrido, morria a alegria, o amor, a música, a dança, a paixão entre os seres humanos.
Às desoras de sábado rompia a Aleluia.O bimbalhar dos sinos, o barulho das crianças batendo pandeiros e tambores e cantando :
-Aleluia,aleluia
Água no pote
Farinha na cuia...
Ah, e tinha a queima do judas...
 Reinava , novamente, a suprema felicidade.

2 comentários:

  1. Depois dessa comilança toda deve-se deixar um lugarzinho para continuar com uma baianinha.

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  2. Eis uma idéia sensata,sultão.O melhor é sempre a sobremesa. bjks

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