quarta-feira, 28 de setembro de 2011

OS SANTOS GÊMEOS

                      
Nós os conhecemos como meninos levados;no Rio de Janeiro apreciam bombons e fazem brincadeiras infantis;na Bahia,esbaldam-se nas comidas que lhes são dedicadas e cobram total carinho e atenção de seus fieis,que são inúmeros.No dia de sua festa,27 de setembro,no meio da comilança e das danças,agarram no seu cavalo(filho ou filha de santo que “incorpora “a entidade)e fazem brincadeiras com os presentes,devotos ou não,falando com o tatibitate infantil e se lambuzando(e lambuzando os outros) de cocada puxa.rapadura ou caruru.São danadinhos,mas,não deixam seus devotos na mão.Pediu,recebeu.
Estudando seu passado para saber de onde vieram e como começou a tradição,descobri que foram médicos caridosos e dedicados,sempre cuidando dos pobres e desvalidos.Irmãos no sangue,ligados pelo saber e sempre fazendo o bem sem olhar a quem.
Quando os remédios faltavam recorriam á oração e benziam a água,que se transformava em remédio miraculoso.Eles trabalhavam em prol da Humanidade e,por amor;por isso eram chamados “os anargiros”,ou seja ,inimigos do dinheiro,epíteto que ,de jeito nenhum se aplicaria aos médicos de hoje,nem aos planos de saúde,
Eu os imagino,jovens e bonitos,morenos,pois tinham origem árabe,indo de casa em casa ,fizesse sol ou chuva,a sangrar,pensar,receitar,consolar e aconselhar.Vislumbro a alegria que essa gente desassistida,devia ter ao vê-los chegar.
Entregue a essa visão,ouço uma voz lá longe,gritar:Missa pedida prá S.Cosme e S.Damião!
E,alguém respondeu:
-Eles mesmo que nos ajudem.
Na Bahia,os médicos abnegados foram substituídos pela  negra carregando uma caixinha de papelão mal ajambrada,com pequenas imagens de argila,metidas no fundo,arrodeados por um monte de manjericão,melindre,malmequeres,misturados com papel de seda,cortado.
Como boa baiana,deposito minha moedinha na caixa,mas,converso com meus botões:-Prá que santo quer dinheiro?Eles têm tudo!
Quem pediu a moeda explica que é promessa;o santo lhe valeu,tem que pagar o prometido -missa e caruru- e,como é pobre,pede para poder cumprir o prometido.
-E,eu com isso?Quem pariu Mateus o  que balance...Seria fazer cortesia com chapéu alheio.
A desculpa é que é um preceito,é assim desde que o mundo é mundo.Vá lá!Embora tenha malandro que pede prá “caninha”,o santo não vê nem o cheiro da oferenda,muitos cantam assim:
São Cosme e S.Damião
Fizeram combinação
Saírem pedindo esmola,
Meu irmão,
Para fazerem um pirão.
O dinheiro era para fazer o pirão do santo ou do espertinho que pedia? Ficava a dúvida;mas,acho que os santos não se importam;até acham graça do expediente.
A negra da caixinha vai em frente,com seu cantochão monótono e,já,ninguém se lembra dos médicos caridosos(se é que,ao menos,sabem a estória).A lembrança que chega é de dois garotos endiabrados,caprichosos,gulosos,exigindo a paga dos benefícios que fizeram.Meninos que gostam de comida de azeite,samba,bagunça.
Ah,se a gente pudesse ver suas carinhas,quando os devotos colocam “quartinhas” de água e pratinhos de comida defronte de suas imagens!Eles,que nunca foram de freges e ,por força da sua fé,morreram degolados por ordem do Imperador Deocleciano.lá pelo ano de 287 em Egéia,na Cicilia,e,segundo Lísias,depois de várias torturas .para que desistissem de sua crença.O certo é que,na Bahia são adorados,inclusive por mim,que tenho um filho de setembro e netos gêmeos.Meu caruru,com tudo o que tem direito,não deixo de oferecer.Promessa é dívida.





 AS COMIDAS DE SANTO:O ABARÁ
Todo mundo gosta de abará,
todo mundo gosta de abará,
mas ninguém sabe
o trabalho que dá.
A música de Caymmi reflete bem a culinária baiana: é extremamente gostosa, quente, afrodisíaca, mas muito trabalhosa.
Durante o mês dos mabaços, os gêmeos Cosme e Damião, eu, que sempre dei o caruru de Cosme, pois tenho um filho nascido em setembro, atrevo-me a passar para vocês os segredos da cozinha baiana, tão cantada em prosa e verso, conforme aprendi com minha avó, que aprendeu com a avó dela.
O abará é feito de feijão fradinho, quebrado e posto de molho durante uma noite inteira para soltar a casca. Antigamente, era triturado na pedra, mas hoje basta passar no processador. Embora pareça coisa de baiano, juro que o gosto não é o mesmo. Por ser comida de preceito, o abará tem suas cismas; quando teima em desandar...
Mas vamos à receita:
- 500grs de feijão fradinho.
- Uma média de 6 folhas de bananeira, cortadas em quadrado médio.
- 2 Cebolas grandes,em pedaços.
- 250grs de camarão seco.
- 1 Colher (chá) de gengibre ralado.
Dendê a gosto; eu uso pouco, umas duas colheres.
Depois de tirar as cascas do feijão, passa no processador, juntamente com a cebola, o gengibre e um pouco de alho. Não esquecer o sal. Vai virar uma massa cor de creme, compacta e cheirosa. Então, misture carinhosamente o pó do camarão, que já deve ter sido processado bem fino, incorporando-o delicadamente à massa.
Daí, com o auxilio de uma colher de sopa, arrume a massa na folha da bananeira (alguns a escaldam antes, mas acho que fica mole), dobre a folha, como se fosse fazer um embrulho de presente, e cozinhe 30 minutos no vapor. As "baianas” costumam colocar os talos da bananeira no fundo da panela, como uma espécie de trempe, e acomodar, delicadamente, os abarás nesta trempe, com água suficiente para o vapor que vai cozinhá-los. Pronto: é só fazer o molho.
Passe o camarão seco no processador, depois frite a cebola no azeite até ficar mole, junte o camarão e a pimenta malagueta, e refogue por uns 10 minutos. Se precisar, coloque um pouquinho de água.
Aí você convida seu amor para jantar, prepara o clima, as cortinas de renda perfumadas de patchouli, a mesa com crisântemos numa toalha de renda, uma cachacinha de cabaço (se ele já tiver dobrado o cabo da boa esperança, melhor lhe dar o Pau da
Resposta). Deguste o abará com pimenta. Cada um começa a comer de um lado, saboreando sem pressa até que o abará acabe. Os lábios se encontram e, aí amiga, QUE LOUCURA!
Vem, a Bahia te espera!





35 - O CARURU
Ontem foi dia dos santos gêmeos, dia de comer caruru.
O quiabo é uma planta africana chamada calulu, daí o nome do famoso prato. Desde cedo, as donas de casa alvoroçadas cortam os quiabos (depois de bem lavados e enxutos numa toalha limpa para secar a baba) e trituram castanhas, amendoins, cebolas, gengibre e camarões secos. Tudo para fazer a comida ao gosto dos ibejis. Depois de triturado no pilão, se junta o quiabo cortadinho bem miúdo e põe-se um pouco do azeite; não se coloca água; quiabos, temperos e azeite postos nas panelas, mexe-se constantemente para não pegar e vai-se acrescentando o dendê, quando necessário. Não esquecer o sal.
Pronto o caruru, arruma-se a mesa com a separação ritual: o caruru dos meninos, seguindo todos os preceitos; o dos grandes, à vontade. Caruru, vatapá, efó, arroz de haussá, cana cortadinha, farófia de azeite, abará, acarajé, pipoca branca, feijão fradinho, banana frita, cocada puxa, são o banquete do santo. A bebida de Cosme é o aluá de abacaxi, feito com a infusão das folhas da fruta, depois de bem lavadas, macerando de um dia para o outro; então é só degustar essas maravilhas, mas primeiro que tudo se deve alimentar os meninos: coloca-se uma
porção de cada iguaria numa "quartinha” de barro, agradece-se os benefícios recebidos e pede-se outros. Deixa-se a comida por três dias, recolhe-se a quartinha e joga-se num matinho verde. Pode-se oferecer a comida dos santos todos os meses do ano, exceto novembro, mês dos eguns.
A mesa dos meninos é um caso à parte, como ensinou Maria de São Pedro, quituteira de primeira, dona do restaurante que tinha o seu nome, no Mercado Modelo. Dizia Dona Maria: todos os pratos da festa devem estar sob uma pequena mesa: caruru, pipocas, amendoim, farofa de azeite, cana cortadinha, banana frita, arroz branco, abará, abóboras, acarajé, milho branco, coco cortado em pequenos pedaços, galhinha de molho pardo e ovo cozido. Enche-se então uma bacia grande e se põe no chão, bastante limpo e forrado. Chama-se os sete meninos mais jovens; as crianças, entre sete e oito anos, abaixam-se em volta da bacia; As crianças mais velhas e os adultos batem palmas ritmadas.
Dona Maria chamava:
- Vem cá, vem cá, Dois-dois.
Os pequeninos, simbolicamente, mantinham as mãozinhas por cerca de um minuto sobre o caruru, começando, a seguir, todos juntos, a jantar. Todos cantam com alegria e entusiasmo, mantendo o ritmo das palmas:
- Eu te dou de comê, Ddois.
Os versos são cantados sete vezes; depois, passa-se para outros:
São Cosme mandou fazer
Uma camisinha azul.
No dia da festa dele
São Cosme quer caruru.
Vadeia, Cosme, vadeia
Vadeia, Cosme, na areia!
Vadeia, Cosme, vadeia,
Vadeia, Cosme, na areia!
Eu tenho pai
Que me dá de comê.
Eu tenho mãe
Que me dá de bebê.
Comido o alimento santo, os meninos esperam o sinal para levantar as mãos. Aí começa a festa dos grandes; Voltam as palmas e os cantos:
Louvado seja, ó, meu Deus
Que Cosme e Damião comeu.
Repete-se três vezes esses versinhos. Depois, os sete meninos e a dona da casa carregam a bacia para dentro da casa.
E VIVAM AS TRADIÇÕES, PRINCIPALMENTE AS GOSTOSAS! 







 COMIDA DE SANTO: Vatapá
Ingredientes (para 6 pessoas)
§  1 lasca de gengibre fresco
§  1 pimenta malagueta
§  1 xícara de chá de azeite de dendê
§  100 g de amendoim torrado sem casca
§  100 g de castanha de caju
§  3 dentes de alho
§  3 pães franceses amanhecidos
§  50 g de camarão seco dessalgado
§  600 ml de leite de coco
§  Sal
Modo de preparo
Deixe os pães de molho em 300 ml de leite de coco por 2 ou 3 horas.
No liquidificador, triture o amendoim, a castanha de caju, o gengibre, as cebolas, o alho, o camarão seco, a pimenta, o sal e o pão que ficou de molho.
Leve essa massa ao fogo e adicione aos poucos, o restante do leite de coco e o azeite de dendê.mexendo sempre para não embolar.
Corrija o sal e deixe cozinhando por 30 minutos, sempre mexendo até que adquira uma consistência.



domingo, 18 de setembro de 2011

GENTE DA BAHIA!


São Salvador,Bahia de São Salvador,a terra do branco mulato,a terra do preto doutor...
                                   Caymmi
Desde os tempos de antanho que Salvador é considerada uma cidade sensual;na verdade ela povoou o imaginário dos portugueses talvez pelo seu cheiro,sua natureza luxuriante e seu povo festeiro e cantador.
A maneira de caminhar do baiano,plena de ritmos e balanços,o cheiro de azeite oloroso das suas ruas,as frutas tropicais que se espalham pelas feiras livres,as cores,os sons e o sorriso largo e feliz das suas mulatas incomparáveis, a  maneira baiana de festejar o Carnaval,acho que tudo isso mexe com a libido de quem não nasceu aqui e não está nem um pouco acostumado com essa explosão de beleza  e sensualidade.
Seus cantadores – Caymmi,Gilberto Gil,Caetano,Jorge Amado e o mestre fotógrafo Pierre Verger ajudaram a divulgar o jeito baiano de ser para o resto do mundo.
Outro traço característico é  a habilidade que tem o baiano de fazer amigos.O baiano gosta de partilhar,acarinhar e conviver com pessoas.
No meu livro “A Bahia de Outrora”,no capítulo especial “É servido,ioiô?” falo do jeito todo especial de receber amigos e da mesa sempre posta para os chegantes nessa terra de Senhor do Bonfim.
Talvez porque nesta terra em se plantando dá e a exuberância  e a fartura sempre estiveram presente por aqui.
Reparem na musiquinha:
-A Bahia tem,tem ,tem,tem,tem
A Bahia tem ô morena
Coco de vintém...

Apesar do seu andar dançante o baiano está longe de ser preguiçoso;o mito da rede nasceu com Caymmi e foi referendado pela classe média paulista,diz um renomado antropólogo .
Isto porque nós temos valores  diferentes;trabalhamos para viver,não vivemos para trabalhar.Estamos muito longe de endeusar o ter e o  trocarmos pelo ser.
O sincretismo de  quase 500 anos constituído pela sagrada mistura luso – africana – indígena  deu origem ao ethos baiano,o espírito da cidade,seu parecer típico e regional sem influências estrangeiras trazidas pela imigração que é a cara do Sul –Sudeste.
Somos uma cidade única e nos orgulhamos disso.A pátria do samba e o reino de Yemanjá.Somos coração e emoção.E estamos satisfeitos que seja assim.




                   CONSUMIÇÃO

Ferva o leite de coco grosso com erva  - doce, cravo e canela até ficar moreno.
Deixe esfriar num pano limpo e misture com goma até ligar.
Não deve nunca ser misturado com água.
Pronta a massa modele como cajus e  leve ao forno para assar.Ornamente com a castanha assada.



               VOZ GUIA
Roberto Mendes e Jorge Portugal

A minha casa é a Bahia
Mas,o mundo é meu lugar.
Eu posso até mudar o mundo
Mas,não posso me mudar,não.
Lá no fundo de mim mesmo
Essa verdade me queima
E é o que me faz cantar.





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