segunda-feira, 13 de setembro de 2010

MULHER VELHA




O tempo de outrora era madrasta com as mulheres idosas; rapariga que chegasse aos trinta sem casar era considerada velha;ficava no barricão,ou caritó,vítima das piadas sem graça dos amigos e parentes.Virava tia”;servia para tomar conta de crianças que não gerou ou para acompanhar viúvas e doentes.As velhas de antigamente deveriam ficar em casa rezando o terço pelos defuntos e parentes.

Nos dias de hoje está tudo diferente;talvez,por causa do desaparecimento da família patriarcal,quem sabe?-constituída de avós,bisavós,filhos,netos,sobrinhos,tios,primos, afilhados e agregados.As mulheres de hoje não ficam velhas,ficam louras,não contam mais estórias para os netos,nestes tempos de desenho animado e lan-houses.

Não havia um limite,naquela época,para ser velha;podia ser a moça que casou muito cedo e,aos vinte e cinco anos estava envelhecida pelos trabalhos caseiros e inúmeros partos.Aos quarenta anos era avó;e avó lembra velhice.Velha era a viúva jovem que ,forçada pelo meio,estava proibida de viver plenamente.

As solteironas eram as mais visadas e sofredoras;não escolheram essa situação,queriam casar,ter filhos,mas,o destino lhes foi ingrato;umas,muito tímidas ou desconfiadas,tomavam cedo o véu da velhice,se enclausuravam ou viravam ratas de sacristia;se era independente,vestia-se na moda,arriscava-se a ser mal falada.Ás suas costas eram chamadas de “saíticas do brejo”ou desassuntadas.Algumas,conformadas,faziam de tudo para parecer mais velha do que era,sepultando suas ilusões no fundo do peito.Assim,se livravam das eternas perguntas:-Porque não casou?Olha que o tempo está passando...Não quer arrumar um marido?A sociedade pode ser muito cruel,quando se propõe a isto.

As malcriadas,as agressivas não deixavam barato,respondiam:-“Só estou esperando você morrer para seu marido casar comigo...”

Mas,o diabo arma e ás vezes,aparecia um casamento;talvez ela nem soubesse que estava cogitada para esposa e se surpreendia;os parentes se desesperavam,iam perder a guardiã dos velhos,doentes e crianças.Quando podiam,tratavam de afastar os pretendente.

Mulher velha vestia-se como velha.Era vedada pra elas as cores fortes,as roupas da moda,as saias curtas,os decotes.Tinham que vestir timão,casaquinhos de mangas,blusas de gola alta,trajes que não marcassem a cintura.Era necessário usar anáguas que vedassem a visão do contorno das pernas ou da “derriére”;toda anágua deveria ter um bolso comprido indo do meio da perna até a barra,para guardar dinheiro miúdo,lenços etc. O tecido tinha que ser pesado e feito para durar,para que mulher velha queria fazer roupa todo dia?As cores preto,cinza,marinho,marrom,branco;lilás,se fosse viúva;os vermelhos,deus-me-livre;só mulher desassuntada vestiria essa cor;era bom que se soltasse um boi brabo atrás dela.Onde já se viu?Velhas ricas usavam um “costume”,o pai do tailleur;saia meia perna,casaco de mangas compridas e uma blusa por dentro,branca,trabalhada com nervuras,enfeitadas com biquinhos de renda e como um belo camafeu como acabamento,em marfim e ouro para as mais abastadas.Sapatos tipo botina,de salto baixo,nas cores preto ou marrom.

Os cabelos tinham que ser esticados num coque e amarrados atrás ,sem sofisticação.Ninguém saía sem chapéu que marcava a posição social das pessoas.Havia as “capotas”,um chapéu pequeno sem abas ou o “toque”,discreto;chapéus de cerimônia tinham um véu de tule e eram enfeitados com miçangas e paetês,porém,sempre na maior discrição.Quem desejava,optava pelo fichú,mantilha comprida e preta enrolada no pescoço.Para completar o guarda-sol,o leque e uma bolsinha de gorgurão ou cetim fosco,sem enfeites.

O certo é que uma velha,numa família,tinha muita serventia;algumas orações valiam mais se feitas por mulher velha,como as contra mau olhado,espinhela caída,simpatias para ter um bom parto ou reza-forte para proteção; bênçãos e pragas rogadas por velhas,pegavam na certa.Até o inicio do século só as velhas podiam lavar e engomar os panos do altar e a roupa cerimonial dos padres.O primeiro banho de uma criança e a primeira canja de galinha tomada pela primigesta tinha que ser dado por uma velha que tivesse netos.Sair de casa pela manhã e encontrar uma velha ,dá sorte,principalmente se for negra e se for a primeira pessoa vista.

Mudaram os tempos e hoje quase não existem velhos;as pessoas chegam aos oitenta,andando nos parques,correndo nas praias,vestindo roupas alegres e gozando a vida com muito prazer.

*Trecho do livro"A Bahia de Outrora".Impossível não ler!

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